quinta-feira, 22 de março de 2012

EM BUSCA DAS BOTIJAS DO TEMPO


Caiu-me no colo essa semana um livro encantado, escrito por muitas mãos (bem hábeis) que sem opressão e com força criativa, bem souberam manusear a tinta azul do tempo e pintar estórias no papel. O livro “Histórias que o povo conta”, escrito pelos alunos do 1º ano da EEEP. DR JOSÉ ALVES DA SILVEIRA passa a ser muito mais do que uma simples publicação que busca relatar causos, mas tem a ver com uma atitude política a ser tomada.

A tradição oral é o mote do livro e sua força de produção, são os alunos-meninos que como os artesões no ato de bordar-escrevendo imortalizam as histórias que correm da boca para o ouvido, passam do povo para o povo, de cultura para cultura, macunaimicamente eles as transformam, dando-lhe novas cores, um outro começo, um novo final, sem nunca, porém, perderem sua alma (e como tem alma no livro!), que é a própria cultura da gente.

Dentre os muitos tesouros do livro, me chamaram atenção o grande número de narrativas ligadas as Histórias de Trancoso que são a partir de um dialogo migratório entre os tempos, as hoje bem populares Lendas Urbanas, prova mais do que viva de que as histórias não morrem, apenas se transformam, é o que se percebe, por exemplo, nos causos relatados em “O monstro bate à porta” – “O homem que virava bicho” – “A loira da Barragem” – “A mulher da estrada”.

Esse dialogo fica bem condensado no texto “O Barulho Misterioso”  onde o narrador  logo nos confessa  assistir ao filme de terror pop da cultura americana “Olhos Famintos” no dia anterior ao ouvir o tal barulho misterioso que o viria a assombrar. Esse dialogo entre as botijas de ontem e do hoje é a grande virtude do livro.

Os autores aterrizam discos voadores, correm com medo da perna cabeluda, do lobisomem, da porca preta, topam com a caipora, matam aula para insultar a loira do banheiro, fazem bicho virar gente, e gente virar bicho, tem um bode cego ensina como deve ser a relação homem-natureza.

Usufruindo de uma linguagem simples, os artesões retalham na língua do povo e no imaginário do povo, para assim, com a criatividade e irreverência típica da meninice, costurar e colar no papel o que foi ouvido.

Nos causos-contos-anedotas que o livro nos oferta é assim que funciona a tradição oral popular, numa mistura de personagens, enredos, mitos, épocas e lugares, sendo que a cada nova entoação as histórias são enriquecidas, pois quem “conta um conto aumenta um ponto” e ninguém narra uma história de mãos amarradas: o gesto é inevitável para o artesões da palavra, que tão bem souberam ouvir dos mais velhos para agora nos contar.


Bruno Paulino
Escritor

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