Caiu-me
no colo essa semana um livro encantado, escrito por muitas mãos (bem
hábeis) que sem opressão e com força criativa, bem souberam
manusear a tinta azul do tempo e pintar estórias no papel. O livro
“Histórias que o povo conta”, escrito pelos alunos do 1º ano da
EEEP. DR JOSÉ ALVES DA SILVEIRA passa a ser muito mais do que uma
simples publicação que busca relatar causos, mas tem a ver com uma
atitude política a ser tomada.
A
tradição oral é o mote do livro e sua força de produção, são
os alunos-meninos que como os artesões no ato de
bordar-escrevendo imortalizam as histórias que correm da boca para o
ouvido, passam do povo para o povo, de cultura para cultura,
macunaimicamente eles as transformam, dando-lhe novas cores,
um outro começo, um novo final, sem nunca, porém, perderem sua alma
(e como tem alma no livro!), que é a própria cultura da gente.
Dentre
os muitos tesouros do livro, me chamaram atenção o grande número
de narrativas ligadas as Histórias de Trancoso que são a
partir de um dialogo migratório entre os tempos, as hoje bem
populares Lendas Urbanas, prova mais do que viva de que as
histórias não morrem, apenas se transformam, é o que se percebe,
por exemplo, nos causos relatados em “O monstro bate à porta”
– “O homem que virava bicho” – “A loira da
Barragem” – “A mulher da estrada”.
Esse
dialogo fica bem condensado no texto “O Barulho Misterioso”
onde o narrador logo nos confessa assistir ao
filme de terror pop da cultura americana “Olhos Famintos”
no dia anterior ao ouvir o tal barulho misterioso que o viria
a assombrar. Esse dialogo entre as botijas de ontem e do hoje
é a grande virtude do livro.
Os
autores aterrizam discos voadores, correm com medo da perna cabeluda,
do lobisomem, da porca preta, topam com a caipora, matam aula para
insultar a loira do banheiro, fazem bicho virar gente, e gente virar
bicho, tem um bode cego ensina como deve ser a relação
homem-natureza.
Usufruindo
de uma linguagem simples, os artesões retalham na língua do povo e
no imaginário do povo, para assim, com a criatividade e irreverência
típica da meninice, costurar e colar no papel o que foi
ouvido.
Nos
causos-contos-anedotas
que o livro nos oferta é assim que funciona a tradição oral
popular, numa mistura de personagens, enredos, mitos, épocas e
lugares, sendo que a cada nova entoação as histórias são
enriquecidas, pois quem “conta
um conto aumenta um ponto” e
ninguém narra uma história de mãos amarradas: o gesto é
inevitável para o artesões da palavra, que tão bem souberam ouvir
dos mais velhos para agora nos contar.
Bruno Paulino
Escritor
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